Após a edição da Lei Maria da Penha - Lei 11.340 em 07 de agosto de 2006 - alguns juristas e magistrados tentaram transformá-la em um invólucro vazio, defendendo a inconstitucionalidade da lei bem como a sua inaplicabilidade.
Para os defensores dos Direitos Humanos e em especial o movimento de defesa dos Direitos das Mulheres na tarde de quinta-feira, dia 9 de fevereiro de 2012, foi um dia de vitória e de avanços, pois os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgaram, por unanimidade, a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41, da Lei Maria da Penha, após mais de 5 anos de discussões e tentativas de transformar a Lei Maria da Penha em uma abstração legal.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19 foi proposta pela Advocacia-Geral da União e teve como objetivo a declaração de constitucionalidade de alguns artigos que geravam dúvidas nos tribunais de todo o País. Os Ministros seguiram o voto do relator Marco Aurélio Mello que votou pela constitucionalidade.
Devemos refletir: Porque os Tribunais e juristas tiveram tanta resistência a uma Lei que tirou da invisibilidade anos de omissão em relação à violência doméstica e familiar praticada contra mulher?
Porque tantos anos para concretizar artigos de uma Lei que protege não apenas a mulher, mas também toda a sociedade brasileira?
Na realidade vivenciamos este tempo todo, uma luta pela preservação da cultura patriarcal ainda vigente, a cultura da impunidade e da tolerância com a violência que assola nosso País. Em todos os discursos e decisões que levantaram a tese da inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha as quais tive a oportunidade de ler constatei claramente que o valor do direito a liberdade sobrepõe contundentemente ao direito a vida e a integridade física.
Os brasileiros clamam por mudanças sociais e pelo rompimento da tolerância, a corrupção, violência e perda precoce de seus filhos, a exemplo disso são as leis de grande avanço e impacto na sociedade como a Lei Maria da Penha, Lei Seca e da Ficha Limpa.
O Supremo Tribunal Federal em suas últimas decisões tem demonstrado que atua em respeito a uma construção política e social necessária para que o Brasil se torne uma sociedade realmente livre, justa e solidária, rumo a uma evolução social típica dos Países em pleno desenvolvimento.
Na prática o que mudou? Tudo mudou, porque a partir do dia 09 de fevereiro as mulheres vítimas de violência doméstica não estão obrigadas a fazer uma representação do crime de violência doméstica para as autoridades competentes, pois será possível que o Ministério Público apure a acusação. Isso significa que qualquer pessoa poderá informar um crime de violência doméstica contra a mulher e a investigação prosseguirá mesmo sem o consentimento da vítima. Além disso, a mulher não poderá mais impedir o seguimento da ação penal, e esta mudança garantirá uma efetividade da lei que estava à beira de uma abstração, com decisões divergentes e tratamentos desiguais.
Quanto aos longos anos de discussão de inconstitucionalidade bem como de que a aplicação da lei e que esta atenta contra a autonomia da vontade das mulheres ao ser dispensada a representação, fica a certeza de que muitas vidas poderiam ter sido salvas ao longo destes 5 anos de resistência.
A decisão do STF tem força vinculante e todos os órgãos do Judiciário e da administração pública direta e indireta deverão se adequar à nova interpretação da suprema corte.
Finalmente a Lei Maria da Penha saiu do risco da abstração para a concretização.
Ana Lúcia Ricarte é advogada e presidente da Comissão dos Direitos da Mulher da OAB-MT.