Com grande freqüência ouvimos nos veículos de comunicação a expressão “judicialização da saúde”, que soa muitas vezes como uma medida sombria e temida, que necessita ser coibida.
Vemos neste cenário alguns personagens que defendem a interferência do Poder Judiciário na saúde, como se fosse um intruso que não foi convidado para a festa. Mas, ao contrário do que muitos pensam e propagam, a judicialização é uma coisa muito boa e funciona como um verdadeiro remédio, um fortificante para o restabelecimento da condição física do poder público.
Para melhor compreendermos isso, necessitamos enveredar pela base de toda a estrutura republicana, através da leitura da teoria tripartite, conhecida como três poderes. Essa teoria da separação dos poderes esboçada primeiramente por Aristóteles em sua obra “A Política”, Locke em sua obra “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, Montesquieu em seu livro “O espírito das leis” e Platão no livro “A república”, estabelecem a tripartição dos poderes com a devida divisão de responsabilidade.
Nascem, então, as separações das funções do Estado, distribuídas a três organismos independentes, que devem ser legitimados a exercer seus misteres com autonomia e igualdade, respeitando reciprocamente sua esfera de competência, contrabalanceando e limitando o exercício do Poder Estatal. Nesse contexto surgem os Poderes Legislativo para legislar; o Executivo para executar; e o Judiciário para coibir as inexecuções e fazer cumprir as leis criadas como regras gerais para toda a sociedade.
Assim, cada membro da tripartição, uma vez que funcione de forma adequada, faz com que o corpo estatal desempenhe sua função a contento, mantendo vigor físico para correr pelas maratonas institucionais, visando única e exclusivamente o bem estar social.
Contudo, quando uma das engrenagens não se desenvolve adequadamente, a outra tem que nela intervir para assegurar uma força mínima para que a máquina estatal continue funcionando. E é aí que surge a legitimidade da intervenção do Poder Judiciário no Poder Executivo.
Quando o Estado se demonstra incapacitado para gerir a problemática da saúde, se mostrando inapto a fornecer serviços e produtos adequados, o Poder Judiciário acaba intervindo como forma de estancar as feridas sociais, impondo coercitivamente ao gestor, a obrigação de cumprir o seu papel perante a sociedade.
Por isso a judicialização é boa, pois impede que o executor fique descansado e indiferente ao ver um cidadão enfermo acondicionado nos corredores dos hospitais, ao invés de estar em um leito decente, ao ver uma criança desfalecendo no colo da mãe, já esgotada, por estar em uma verdadeira via sacra, atrás de um singelo medicamento.
Atualmente, vejo segmentos estatais, na busca de querer manchar a idéia da judicialização, tudo para coibir a sua efetivação, culpando-se Advogados particulares e públicos e Magistrados, como se estivessem lançando na sociedade a epidemia de uma doença incurável.
Importante ressaltar que os Advogados são instrumentos da efetivação da cidadania, indicados pela Constituição Federal para a administração da própria Justiça, enquanto que Magistrados são considerados pela moderna doutrina, inclusive, como agentes políticos, por exercerem uma parcela da soberania do Estado, cuja atuação deve ser pautada pela imparcialidade e pelo senso de busca da justiça social.
Se alguns destes são acionados para efetivar a intervenção na sistemática tripartite é porque o gestor administrativo não teve a habilidade necessária de distribuir as políticas sociais que lhe competiam devendo, por isso, arcar com os desdobramentos decorrentes de sua inércia, bem como as sanções provenientes de suas faltas, tudo com vistas a, não só garantir um sistema efetivo de prestação de saúde, mas também enxugar as lágrimas daqueles que se amontoam nas filas em busca de um único bem..., a DIGNIDADE.
Fábio Arthur da Rocha Capilé é Advogado, Professor Universitário, Presidente do Instituto dos Advogados Mato-grossenses e Presidente da Comissão de Saúde da OAB/MT