Hodiernamente tem-se visto na política brasileira a malversação do dinheiro público, prática desenfreada da corrupção em todo canto do país. Basta lembrar que o maior escândalo de corrupção de compra de votos de parlamentares da história ocorreu nesta última década, conforme decisão da Ação Penal 470 julgada pelo Supremo Tribunal Federal em que comprovou esse esquema de corrupção.
É indiscutível as influências que o Poder Executivo e Legislativo Federal tentam exercer no Supremo Tribunal Federal, em que os atuais donos dos poderes buscam a permanência desenfreada pelo poder, assim como nos governos ditatoriais dos Estados vizinhos como da Venezuela, Argentina e da Bolívia, onde esses países controlam a imprensa, atropelam a legislação eleitoral, amordaçam o Ministério Público e mantém a clava forte da justiça sob o seu controle.
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O julgamento desta semana acerca do cabimento ou não dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470, sobejamente conhecida com Mensalão, revelará se o atual sistema de governo brasileiro é realmente uma democracia ou uma ditadura disfarçada de democracia.
É cediço que o Poder Legislativo representa na atual ordem constitucional de 1988 como legítimo representante dos anseios do povo brasileiro, alçando destaque nas políticas públicas e representatividade na República Federativa do Brasil.
Neste sentido o Professor Paulo Bonavides(1) preleciona que,
"Com a promulgação da Carta Maior de 1988, O Poder Legislativo alçou posição de destaque, quase tipificando um sistema parlamentarista, que o Executivo, ao mesmo tempo que perde parte de sua até então ilimitada competência, permite à sociedade, através de sua mais legítima representação, ser partícipe efetiva dos programas, projetos e responsabilidade governamental".
Um fato curioso chamou atenção da comunidade política e jurídica com a condenação do Deputado Federal Natan Donadon, condenado criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal em caráter definitivo a uma pena de 13 (treze) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado.
Ato contínuo, a Câmara dos Deputados Federais entendeu por bem manter o mandato eletivo do Parlamentar condenado. Mas a final, quem é competente para decretar a perda do mandato parlamentar?
Antes de delinear a matéria que ventila tantas divergências doutrinária e jurisprudencial, é importante mencionar que na semana passada o Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda à Constituição de n.18/13 que altera o art. 55 da CF/88 para tornar a perda automática do mandato parlamentar nas hipóteses de improbidade administrativa ou de condenação por crime contra a Administração Pública, assim prevista:
"Art. 1º O art. 55 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 55
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI do caput, ressalvado o previsto no inciso II do § 3º, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º A perda do mandato será declarada pela Mesa da Casa respectiva:
I – nos casos previstos nos incisos III a V do caput, ressalvado o previsto no inciso II deste parágrafo, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa;
II – nas hipóteses dos incisos IV e VI do caput, quando resultar de condenação transitada em julgado por improbidade administrativa ou por crime contra a administração pública, de forma automática, mediante comunicação do Poder Judiciário. (NR)"
A Constituição Federal de 1988, como regra hierarquicamente superior prevê a competência da perda do mandato parlamentar da Câmara dos Deputados e Senado Federal, da seguinte forma:
"Art. 55. Perderá o mandato de Deputado ou Senador:
(...)
VI- que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ Nos casos dos incisos I, II, e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou Senado Federal, pelo voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de Partido Político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Temos in casu, conforme interpretação literal do Texto Constitucional, a competência constitucional para declaração da perda do mandato parlamentar das respectivas Casas Legislativa.
Todavia, o mesmo Texto Constitucional, trata no parágrafo §2º do art. 14, sobre as causas de inelegibilidade do candidato:
"Art. 14 (...)
§3º São condições de elegibilidade
I- Nacionalidade brasileira;
II- O pleno exercício dos direitos políticos;
III- O alistamento eleitoral;
IV- A filiação partidária;
V- A idade mínima de
(...)"
Ademais, o próprio artigo 15 da Constituição Federal veda a cassação dos direitos políticos e reza que a perda ou suspensão só se dará nos casos de sentença penal transitada em julgado e outros casos previstos:
"Art. 15 É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só dará nos casos de:
I- cancelamento de naturalização por sentença transitada em julgado;
II- incapacidade civil absoluta;
III- condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV- recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V- improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º."
Com efeito, consoante preleciona o texto constitucional, o parlamentar uma vez condenado com sentença transitada em julgada perde o exercício dos direitos políticos, à luz dos artigos 15 III, 55 §3º da Constituição Federal, combinado com a perda da condição de elegibilidade (inciso II do art. 14 da CF/88).
Além do mais, é imperioso mencionar, ainda que norma de hierarquia inferior, o Código Penal brasileiro em seu inciso I do artigo 92, prevê como um dos efeitos da sentença criminal irrecorrível a perda dos direitos políticos:
"Art. 92. Também são efeitos da condenação:
I- A perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) Quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder, ou violação de dever para com a administração pública."
Nestes termos, quanto à competência para a decretação da perda do mandato parlamentar, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou várias vez a problemática e na sua atual composição se divide o seu posicionamento, conforme podemos inferir da decisão do julgamento da Ação Penal 470.
Desta forma, o Ministro Joaquim Barbosa, entende que a perda do mandato seria uma decorrência natural da condenação criminal transitada em julgado. Tal posição prevaleceu na ocasião e foi acompanhada, entre outros, pelo Min. Gilmar Mendes, que, em seu voto, propôs que a perda do mandato se desse por mera declaração da Mesa da Casa Legislativa nas seguintes situações:
"a) Nos casos de condenação por crimes nos quais esteja ínsita a improbidade administrativa;
b) Nos casos de condenação por outros crimes aos quais seja aplicada pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos, nos termos do art. 92, I, do Código Penal, com a redação da Lei nº 9.268/96."
Outra corrente na qual figuraram os Ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, entre outros, pela qual se entendem que, em qualquer caso, a perda do mandato somente pode se dar por decisão do Plenário da Casa Legislativa respectiva, nos termos do art. 55, VI e § 2º.
A Ministra Rosa Weber entendeu que:
"a) a Constituição, deliberadamente, tratou de maneira diversa a sanção à prática de improbidade administrativa e a condenação criminal;
b) é contrário à boa técnica hermenêutica interpretar os incisos IV e VI, do art. 55 da Constituição à luz do que prescreve o art. 92 do Código Penal, norma infraconstitucional."
Neste sentido, entendo que, embora haja previsão constitucional para a Casa Legislativa competente declarar a parda do mandato parlamentar, à luz da hermenêutica teleológica da atual Constituição Federal, a hermenêutica que se deve aplicar ao caso tem tela é a interpretação conforme a constituição.
Esse método hermenêutico é o mais utilizado pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos de inconstitucionalidade das normas.
O constitucionalista português J.J. Canotilho(2) entende que,
"O princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição".
Para o Professor português, essa formulação comporta várias dimensões, (1) o princípio da prevalência da constituição impõe, que, dentre várias possibilidade de interpretação, só deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve declarada inconstitucional, quando observado os fins da norma ela pode ser interpretada conforme a constituição; (3) o princípio da exclusão da interpretação conforme a constituição mas ´contra legem´ impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a constituição.
Assim sendo, deve a Excelsa Corte de Justiça, como guardiã da Constituição Federal (art. 102 caput da Constituição Federal de 1988) exercer o seu mister de justiça e preservação do estado democrático de Direito.
Em razão disso, prefiro acompanhar o entendimento dos Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, de modo que a sentença penal transitada em julgado, à luz do Texto Constitucional e Código Penal Brasileiro atinge automaticamente a perda do mandato parlamentar. E que compete tão somente à Casa Legislativa a declaração da perda do mandato, consoante sistema constitucional em vigor.
A guisa de todo o exposto, temos que dar guarida a decisão final do Supremo Tribunal Federal, a quem compete guardar a Constituição Federal bem como a manutenção do Estado Democrático de Direto, a prevalência da aplicação dos princípios da isonomia, da segurança jurídica e do metaprincípio da justiça, conforme valores e mandamentos fundamentais plasmados no Texto Constitucional Supremo. Pois, como já disse o Juiz Marshall da Suprema Corte Americana de Justiça, “A Constituição é o que o ‘Supremo’ diz que ela é".
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(1) História Constitucional do Brasil. Paulo Bonavides e Paes de Andrade. OAB Editora. 10ª Edição. P.504
(2) J.j. Gomes Canotilho. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Ed. Almedina 7ª Edição. P. 1226
Felipe Amorim Reis, advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduando em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de MT e Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MT.